quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Permita-me chorar


(Para minha irmã Verahoana que fez sua passagem em 03/01/2013)

Permita-me chorar...
Pelas guerras de travesseiros na infância.
Pela  fotografia no colo do Papai Noel, na Mesbla, naquele Natal distante.

Permita-me chorar pela vez que ficamos presas no elevador do prédio do Largo do Machado, quando corríamos atrás dos pacotinhos de doce no dia de Cosme e Damião, e que vc fez tanta palhaçada que todo mundo se distraiu.
Pelos banhos e cabelos penteados devagarzinho.
Pelos curativos nos dodói.

Permita-me chorar por me salvar das palmadas da mamãe.
Pelo seu desespero quando meu ouvido jorrou sangue com a pancada do rema-rema na pracinha.
Pelos truques dados nos bondes do Rio de Janeiro,
Pela viagem no trem da Leopoldina até Avelar.

Permita-me chorar pelas piadas nas noites de férias no Sítio.
Pelos beliscões escondidos da mamãe.
Pelos primeiros presentes que podes comprar.
Pelo meu vestido de noiva.

Permita-me chorar por aceitar em batismo a minha filha e amá-la como sua.
Pelos bolinhos de chuva com café.
Por aquele rosbife com creme de milho que eu adorava.

Permita-me chorar pelas cocadas molinhas que comprava para mim quando chegava a São Paulo.
Pelas histórias, tipo repente, que dividíamos nas visitas a Icaraí,
Pelos cafezinhos que tomamos juntas por aí.

Permita-me chorar pelos belos filmes que assistimos.
Pela aquela noite de tango em Buenos Aires.
Por dividir comigo seus amigos e afetos.

Permita-me chorar pelos sonhos que sonhamos juntas.
Por todas as vezes que me levou a percorrer a Europa com seus olhos e coração.
Pelas castanhas portuguesas que vinham na sua bolsa quando chegavas para o Natal.

Permita-me chorar pelos muitos beijos que ainda deixei de lhe dar.
Pelos carinhos que ainda deixei de fazer.

Permita-me chorar pela pouca paciência com a vida nos últimos tempos.
Pela tristeza que me acompanhava ultimamente.
Por ser irmã e mãe. Ouvinte, conselheira e amiga.

Permita-me chorar,
Hoje e por quanto tempo meu coração sangrar.

Alice Pinheiro Guimarães

sábado, 5 de março de 2011

A casa da mãe




Tem coisas na vida, que por mais simples que sejam, nem de longe se comparam à outras conhecidas. São assim como nossas digitais, são únicas.

A casa da mãe é assim. O lugar certo para você voltar quando sua saída para o mundo não der em nada. Uns dizem que depois que se sai de lá não dá mais para voltar. Pura mentira!

A casa da mãe é o único lugar onde tudo é de todo mundo, menos dela. Você vai embora levando suas roupas e objetos pessoais, mas deixa sempre um chinelo velho de borracha, uma escova de dente usada, o ursinho de quando era criança; alguns discos que não lhe interessam, mas ainda são seus, e um monte de tranqueiras. É meio que um depósito onde suas coisas ficam guardadas para alguma precisão.

Lá, a mãe não é dona de nada. Quando o filho mais velho chega com a família para o almoço de domingo e resolve escutar aquele Ray Charles, a mãe logo diz:

- é melhor não mexer! Você já sabe que seu irmão não gosta.

E se o neto descobre aquele jogo de panelinhas no fundo do armário, ela replica:

- larga isso menino! São coisas da sua tia que ela guardou para dar de presente quando nascer a primeira filha.

Na casa da mãe, você usa a toalha de banho dela e volta com a sua seca dentro da mala. Você chega na hora do almoço, sem avisar, e sempre tem uma sobrinha pra você. Você leva pra casa o resto do bolo que ela reservou para o café da tarde com a desculpa de que já está rolando há muito tempo na geladeira.

Quando sua irmã briga com o marido, ela diz:

- eu avisei que isso não ia dar certo...e arremata:
- não sei o que você está fazendo lá que ainda que não veio embora!

Na casa da mãe tem sempre um potinho com uns trocadinhos que ela guarda para comprar o pão, e você os pega para facilitar o troco de sua passagem de ônibus.

O Natal, e também a Páscoa, são sempre obrigatórios passar na casa da mãe. Não que seja só por ela, mas porque na casa da mãe você encontra a ceia pronta e ainda tem a cara de pau de sair sem arrumar a bagunça.

Você também manda na casa da mãe. Escolhe a cor do sofá que ela quer reformar, dá esporro na empregada, determina o que fazer pro almoço, implica com o vizinho dela e sempre carrega alguma coisa que está sobrando por lá que você diz estar precisando muito.

Na casa da mãe, você lê o jornal e deixa espalhado pelo chão. Não precisa apagar a luz do banheiro; troca o canal da TV assim que chega, fala interurbano e não paga a conta e, ainda por cima, quando vai embora, sempre pede um dinheiro emprestado que nunca devolve. Afinal, dinheiro de mãe não se paga, é de coração.

Depois, na verdade, você nunca quis mudar da casa da mãe e ela, maliciosamente, também nunca quis que você fosse embora.

Mãe sempre tem suas predileções por algum filho, apesar de dizer que amor de mãe é igual pra todos. A verdade, que pra ela, você pode ser ex-tudo: ex-genro, ex-marido, ex-namorado, mas nunca vai ser ex-filho.

A Casa da mãe é uma coisa assim: patrimônio coletivo. Tanto que quando você se refere a ela, sempre diz:
- Lá em casa...

Verdadeiramente, a mãe é a única mulher que você consegue conviver até que a morte os separe e quando isso acontece, mesmo assim, você briga para ficar com a casa da mãe.

Niterói/RJ, 30/11/2003 Texto sem revisão

Adoro andar de ônibus




Adoro andar de ônibus. Nada se compara a liberdade de estar em vários lugares, ter várias óticas da cidade. São momentos especiais. Flashes do cotidiano fotografados por meus olhos, tal e qual uma história em quadrinhos, onde um único movimento necessita de vários riscos.

A vida se renova sempre que entro no ônibus, ainda que no mesmo trajeto. A mulher da blusa azul não estará mais naquela esquina. O homem que carregava a pasta preta também não. Mas pelo menos eu sei que eles existem. Que suas histórias se cruzam a minha, mesmo que em outros trajetos ou talvez no mesmo, ainda que a blusa seja branca.

Adoro andar de ônibus, sempre descubro coisas novas no caminho.
O mundo e o movimento da vida são tão cheio de possibilidades.

Da janela do ônibus faço o enquadramento da minha câmera especial, os meus olhos. Fotografo várias cenas, dirijo vários roteiros, escrevo muitos livros. Vivo intensamente da janela do ônibus.
Participo da vida alheia sem consentimento. Viajo a lugares além da dimensão real. Coloco ordem ao caos da cidade.

Faço amigos íntimos no enquadramento das janelas dos edifícios. Vou indo perto e longe da vida e consigo tocar as vidas que trafegam sem ter que pedir permissão.

Adoro andar de ônibus...

Florianópolis/2007 - Sem revisão

Carta para Stella



Sinto saudade amiga minha, a mais cara de todas. O abraço mais íntimo e generoso que conheci.
Sinto saudade amiga minha, das conversas longas, sem tempo e sem hora, sem ponto final.

Sinto saudade amiga minha, dos afagos nos pés, das massagens nas têmporas, quando das dores de cabeça lancinantes.

Sinto saudade amiga minha, dos papos intermináveis nas noites de dor, das chegadas repentinas ao menor sinal de sofrimento.

Sinto saudade amiga minha, dos carinhos transformados em lanches preciosamente preparados; em remédios ministrados madrugada afora; das mãos passadas nos cabelos, sussurrando estar chegada à hora da próxima dose.

Sinto saudade amiga minha, da cama cedida a minha angústia. Dos nossos risos meros, dos momentos belos de nossa convivência.

Sinto saudade amiga minha, de sua mão única a acenar o adeus na dolorosa partida.

Para você amiga minha, escrevo e pronto, não preciso de ponto para dizer que sei, que foi de você que levei o melhor que eu ainda tinha.

Mas mesmo assim, sinto tanta, tanta saudade, amiga minha!

Niterói - 2000 Sem revisão

A Busca



Hoje sai por aí como se fosse mais um dia como outro qualquer. Sai meio que me procurando. Fui até a esquina e não estava lá. Resolvi então ir mais além: dei uma volta no quarteirão, mas também não estava lá.

Então pensei: e se eu for mais longe? Pegar um ônibus, quem sabe? Andei até o ponto mais próximo e quando entrei. Resolvi sentar-me à janela para ir me procurando. Avenidas, praças, esquinas, a ponte por sobre o livre mar que se espraia por todos os lados da Ilha. Reparei: não estava lá!

Parei no centro velho. Fitei o casario, o vai e vem das pessoas com pressa, sempre a pressa! Vento sul balançava as saias, carregava os cabelos, encharcava os corpos frenéticos. Esperei em vão, também não estava lá.

Perguntei-me: será que me espero? Mas e se me demorar muito? Talvez não dê tempo de me encontrar. Quem sabe devesse voltar?

Caminhei, fucei todos os cantos. Espiei por trás das árvores e nada. Muito tempo depois, já em casa, lá estava, que surpresa!

Ao toque de cada letra me senti. Pude ver a minha fisionomia, como se num espelho estivesse. O branco do papel virtual me refletia. Aqui estou em cada entrelinha.

Floripa/2007 - Sem revisão

Éramos tão jovens...



Éramos tão jovens! Tudo era possível, a vida estava só começando. Tantas descobertas, tanto ainda por se revelar: a festa, os amigos, as viagens, os pequenos delitos.
Éramos inocentemente jovens.

Acreditávamos no amor eterno, no amigo pra sempre, na vida infinita, na juventude atemporal.
Ouviamos Vandré enchendo o peito de ar e seguíamos enfrente sem contabilizar os anos.
O minuto era eterno. O tempo parava para ver passar nossa juventude com fúria, beleza e ingenuidade.

A trilha sonora do momento era o nosso combustível.
Embalados pela melodia éramos atores do nosso próprio roteiro imaginário.

Haviam os planos, os sonhos, as conquistas sem metas estabelecidas, o que, aliás, não contabilizávamos era o tempo. Corríamos pela vida como no jardim de nossa casa, tão conhecido era o terreno.

Éramos tão jovens e o beijo era o mensageiro da paixão que vinha embrulhado em abraços, amassos no muro da esquina. Tudo resplandecia. A felicidade era nossa droga predileta, o nosso vício inconfessável.

Sempre um novo motivo para comemorar. Um sentimento novo para desvendar. Um novo amigo, um novo lugar, um outro pôr do sol para apreciar. Éramos tão jovens que a juventude se perpetuava a cada nascer do sol.

Éramos os donos do melhor amigo, da melhor festa, da melhor história, da maior paixão. A intensidade do nosso viver era tanta e tão pouca que nem me lembro mais o tempo que percorri.

Ao acordar hoje, não precisei me olhar no espelho para me sentir, aos cinquenta e dois anos, ouvindo a mesma trilha sonora sem me dar conta se estava no presente, no futuro, ou ainda adormecida no passado. Apenas percebi que éramos tão jovens!

São Paulo - Ago/2007 Sem revisão

Ponto Final



Dei a você o melhor de mim: meu amor, amizade e lealdade.
Com você reparti os melhores anos, o carinho e o sonho.
Fiz de você meu companheiro certo, amigo predileto; meu parceiro, meu herói, meu doce guerreiro.
Você foi embora assim: sem amizade, sem lealdade, sem amor por mim.
Apenas me legou um robe e um pulôver de tricô; minha vida você levou.
Parti sem palavras, sem um abraço, sem um muito obrigado.
Sem ouvir um nada, voltei pela mesma estrada que juntou você a mim.

Petrópolis/RJ - 2000 -Texto sem revisão